Certamente um dos grandes desafios vividos na atualidade pelas empresas é a dificuldade em reter os jovens da chamada Geração Y (nascidos entre 1980-2000). Primeiro, porque retenção já é uma palavra assustadora para esse público. Empresas gastam boas quantias em programas de formação, contudo em pouco tempo boa parte dos jovens migram para outras oportunidades. O estudo de abordagem qualitativa conduzido com esses jovens trouxe insights importantes que podem contribuir nesse cenário.
Abraham Harold Maslow, pesquisador, professor e psicólogo americano, construiu em meados do século 20 a teoria na qual as necessidades humanas podem ser hierarquizadas. A “pirâmide” de Maslow é composta por cinco níveis de necessidades humanas. São elas: as necessidades fisiológicas, de segurança, sociais, de estima e de auto-realização.
Utilizando como base de inspiração o conceito de hierarquia de necessidades por meio de uma pirâmide, é possível fazer um paralelo para o que esses jovens efetivamente buscam dentro da dimensão trabalho.

piramide
Pirâmide Motivacional da Geração Y
(Desenvolvida por Taynã Malaspina Bonifácio, baseada nos resultados da pesquisa conduzida com jovens e também aos conceitos da antroposofia).

Na base da pirâmide, temos o nível dos recursos composto por atributos como: salário, benefícios, estrutura física, dentre outros itens. Pode-se dizer que as empresas tem evoluído muito nessa dimensão oferecendo benefícios diferenciados como por exemplo, auxilio para academia de ginástica e patrocínio de cursos. Em termos de estrutura física, novos ambientes também surgiram, como por exemplo, os famosos “espaços de descompressão” nos quais os jovens podem jogar vídeo-game, sinuca e realizar um happy-hour com os colegas de trabalho. E ainda, no caso dos jovens denominados de “alto potencial”, salários extremamente atrativos são oferecidos.
Certamente, a base da pirâmide é onde as empresas conseguem atuar de forma mais fácil, uma vez que essa dimensão está mais ligada ao potencial financeiro que a empresa pode investir em sua estrutura. Por outro lado, essas inovações em estrutura física, pacotes de salário e benefícios atrativos tem se mostrado eficientes para atrair jovens, contudo não suficientes para retê-los. É possível perceber isso ao longo das entrevistas do projeto, já que os jovens desse perfil de empresa não pretendem continuar nelas nos próximos anos e ainda elas não fazem parte de seus “projetos de vida”. Um outro agravante a ser mencionado é que muitos desses jovens não conseguem usufruir desses espaços, devido a intensa jornada de trabalho. Ou seja, eles possuem um espaço de descompressão mas não tem tempo para utilizá-lo. Eles recebem uma verba para academia porém saem muito tarde do trabalho para conseguir utilizar esse benefício. Assim, essa nova proposta de valor torna-se incoerente e sem sentido. Richard Sennett já alertava para esse aspecto perigoso do “capitalismo flexível”, no qual a “embalagem” muda, mas a forma de dominação continua a mesma.
Ainda na dimensão recursos, é interessante lembrar os apontamentos trazidos por Teixeira (2012), nos quais o dinheiro tem perdido sua força como motivador principal na relação entre o homem e o trabalho. E ainda, Seligman (2009) quando diz que nossa economia está mudando de uma economia do dinheiro para uma economia da satisfação.
Subindo um nível da pirâmide, chegamos ao nível das relações marcado pelos colegas de trabalho, reconhecimento no trabalho, estrutura hierárquicas, dentre outros. Para os jovens Y trabalhar ao lado de pessoas que gostam e que os inspiram é um grande fator de motivação. Como Teixeira (2012) diz “as vidas pessoal e profissional estão se fundindo de um modo inédito. Logo, quem não busca felicidade no trabalho, não busca felicidade na vida”. Assim, como esses jovens passam cada vez mais tempo dentro das empresas, estar ao lado de pessoas que gostam tornou-se fundamental. Ainda dentro do nível das relações, identificou-se que hierarquias rígidas e estruturas de poder consolidadas desmotivam essa geração. Para os jovens Y, quanto mais colaborativo for o ambiente, mais agradável ele se torna. Isso é ainda mais forte dentro do perfil de pessoas que atuam em ONGs. E ainda, buscam mentores que os ajudem no processo de aprendizado e não chefes que apenas dizem o que é preciso fazer e pronto. Os jovens também esperam o reconhecimento de seus gestores.
Assim, na dimensão das relações existe uma dificuldade maior de atuação das empresas, já que para suprirem essa demanda precisam de uma cultura mais colaborativa e de gestores capacitados em atuar como mentores. Nessa dimensão, já é possível perceber o “choque de gerações”, uma vez que um gestor que se desenvolveu profissionalmente aprendendo a cumprir ordens não consegue entender o comportamento desses jovens.
No nível 3 da pirâmide, chegamos a dimensão dos valores. Existe um vínculo entre valores e comportamento. Os valores guiam a vida das pessoas. As escolhas feitas ao longo da vida são orientadas pelos nossos valores pessoais. Ficamos mais realizados quando agimos conforme nossos valores. Nesse sentido, essa dimensão da pirâmide é de fundamental importância no âmbito da retenção de pessoas dentro das empresas, já que nenhuma relação se sustenta por muito tempo quando nos percebemos incoerentes em relação aos nossos valores.
E assim, considerações importantes podem ser feitas nessa dimensão. Primeiro, as empresas teriam menos prejuízos se fossem transparentes em relação aos verdadeiros valores (valores internos) que regem a instituição. Digo valores internos, porque muitas vezes as empresas por meio da publicidade e propaganda divulgam valores que são interessantes para sua estratégia de negócio. Um exemplo disso, são as inúmeras empresas que aderiram a “bandeira” da sustentabilidade, contudo na prática e no dia-a-dia, esse valor não permeia as iniciativas internas da organização. Assim, muitas vezes, os jovens buscam as empresas pela “imagem” que possui dela e no processo de seleção essa imagem é reforçada, até mesmo nos famosos vídeos de integração da área de recursos humanos. Contudo, após os primeiros meses, o jovem percebe o que estava por trás da embalagem, sente a frustração e muda de organização. Assim, essa atitude não é saudável para nenhum dos lados.
Feito o alerta em relação a postura da empresa, é pertinente também observarmos o comportamento dos jovens. Muitos deles na ânsia por uma vaga, acabam incorporando valores na empresa em seu discurso para a entrevista. E ao entrar na empresa, luta diariamente pela internalização desses valores. Assim, por exemplo, jovens com um perfil mais colaborativo, se comportam com o perfil competitivo para fazerem “parte do jogo”. Esses casos são mais comuns dentro do perfil tradicional, onde os jovens citam que incorporam personagens para atuarem no “teatro corporativo”. Todavia, essa atitude também mostra-se ineficiente em médio prazo, uma vez que ninguém consegue ser por muito tempo “aquilo que não se é”. Como Carl Rogers cita, no processo de torna-se pessoa, aos poucos, as máscaras caem.
Dessa forma, a coerência entre os valores pessoais e organizacionais certamente é algo que contribui para uma relação saudável e mais duradoura. Todavia, é preciso ter a transparência em relação aos valores de ambos os lados.
E no topo da pirâmide, encontramos a dimensão do sentido e do propósito. A citação de Nietzsche, “Quem tem porque viver pode superar qualquer como” , ilustra essa dimensão da pirâmide. Encontrar o “porque” do trabalho tornou-se indispensável para os jovens Y. Ter apenas um trabalho não preenche esses jovens, é também preciso encontrar sentido nele. E aqui, é comum incorremos no erro de acreditar que um trabalho com sentido está ligado a ações sociais ou atividades do gênero. O sentido pode ser encontrado em qualquer atividade. Frankl (2003) traz importantes reflexões sobre a questão da profissão escolhida e da responsabilidade individual de fazê-la plena de sentido. Valorizando muito mais o “como se faz” do que o “o que se faz” como profissão.
Ulrich e Ulrich (2011) mostraram que as empresas já identificaram que oferecer sentido é algo lucrativo. Contudo, Frankl ressalta que sentido é algo a ser encontrado e descoberto, não podendo ser criado ou inventado. Assim, as tentativas das empresas em criar “sentido enlatado” certamente não será sustentável a médio prazo. O que as empresas podem oferecer é espaço e abertura para que reflexões individuais aconteçam e esse sentido possa ser encontrado e descoberto pelo próprio colaborador. E assim, o jovem possa dar significado por meio do “como se faz” ou até se movimentar em busca de outras oportunidades que tragam o sentido. A curto prazo a estratégia parece não ser atraente, mas possivelmente é a mais consistente a médio e longo prazo.
Essa certamente é a dimensão mais desafiadora para as empresas, já que elas não se desenvolveram para oferecer sentido. Aqui o “choque de gerações” torna-se ainda mais forte, muitos gestores evoluíram com essa dimensão enfraquecida dentro da relação do trabalho. E para muitos, é muito difícil compreender essa necessidade dos jovens e mais difícil ainda supri-la. Hoje, as empresas já tem clareza que a dimensão sentido tornou-se importante, todavia ainda não encontraram o “como” nutrir essa dimensão.
A análise dessa “pirâmide motivacional” do trabalho para os jovens nos mostra que da base para o topo, o papel do gestor torna-se cada vez mais importante. Assim, um dos desafios da atualidade é o desenvolvimento e capacitação de profissionais que possam atuar nas dimensões superiores . E ainda, os dois primeiros níveis (recursos e relações) mostram-se eficientes para a atração de jovens, porém a retenção é melhor trabalhada nos níveis superiores (valores e sentido).
Referencias Bibliográficas:
MALASPINA, T.B. Trabalho, Felicidade e Sentido para a Geração Y na Modernidade Liquida. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2013.
FRANKL, V. E. Psicoterapia e sentido da vida. Título original: Artzliche seelsorge. Tradução: Alípio Maia de Castro. 4. ed. São Paulo: Quadrante, 2003.
SELIGMAN, M. E. P. Felicidade autêntica: usando a psicologia positiva para a realização permanente. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.
TEIXEIRA, A. Felicidade S.A. – Porque a satisfação com o trabalho é a utopia possível para o século 21. Porto Alegre: Arquipélago Editorial, 2012.